Eva tinha uns quarenta anos, cabelos negros e longos, coroa enxuta, bonita, bem cuidada. Os filhos já estavam adultos e não moravam mais com ela e Joca. Mas o tanto que Eva tinha de bonita, tinha de chata! Era do tipo fuxiqueira, que cuidava da vida de toda vizinhança e enlouquecia a cabeça de Joca falando deste e daquele.
Adorava contar sobre as vizinhas que traíam descaradamente seus maridos. Saiam às três da tarde com a desculpa de que iam pro cabeleireiro e na verdade iam era pro motel passar tardes de luxuria! Gabava-se com gosto dizendo à Joca que mulher mesmo era ela, cuidava dele, cuidava da casa, cuidava de tudo e não colocava um par de chifres para enfeitar a sua testa!
E Eva falava! Como falava! Quando começava a especular a vida alheia nunca mais parava! E Joca fingia que ouvia, fingia que concordava, fingia que estava ali, enquanto lia o jornal.
Certa tarde Eva foi ao salão. Passou horas lá dentro. Fez pé, mão, limpeza de pele. Ao sair, eis que Eva vê, ou pensa que vê, o carro de Joca entrando num motel próximo.
Enlouqueceu! Correu feito doida sozinha pela rua no sol escaldante do meio da tarde e foi até bem próximo do carro que ainda estava parado na recepção. Cretino! – pensou ela! Não sabia a placa do carro de Joca, nunca prestou atenção nisso, nem mesmo sabia dirigir. Mas era ele, era sim, a mesma cor, as mesmas rodas, o mesmo filme escuro nos vidros e principalmente: o mesmo adesivinho da família na traseira. Cretino! – pensou de novo – levando a nossa sagrada família pra dentro de um lugar daqueles! Ela o odiou profundamente e fantasiou com detalhes a mulher que deveria estar no banco do carona. Uma perua nojenta, bem mais nova e com marquinhas de biquíni que aparecem pra fora da calça de cós baixo. Enauseou-se!
Não perdeu tempo! Encheu o celular de Joca com um milhão de torpedos desaforados, do mesmo nível que ela pensava ser a tal fulana que estava com ele!
“Então Sr. João Carlos, passando uma tarde de pecado no Motel Lamour? Eu estou aqui, eu estou vendo tudo! Você me paga, quando chegar em casa todas as suas roupas estarão na mala! Cretino!”
E se foi, cega de ódio, ruma à sua casa.
Chegando lá...que surpresa! Não é que o carro de Joca já estava lá! Na garagem! Como ele podia ter sido tão rápido? Entrou correndo em casa e se deparou com uma cena que jamais podia imaginar: Joca de calção, sentado no sofá, lendo seu bom e velho jornal.
- O que você está fazendo aí?
- Eu moro aqui, ora!
- Mas... e o motel?
- Eu que pergunto: e o motel?
- Mas eu vi você entrando, quer dizer, era um carro igualzinho ao seu!
- E o que é que VOCÊ estava fazendo no motel?
- Eu não estava no motel, estava no salão de beleza!
- Ah sim, da mesma maneira que as vizinhas aqui da redondeza...
- Ora Joca, não fale assi...
- Chega Eva! Cale-se! Pra você: Sr. João Carlos! Não era assim que me chamava nas mensagens desaforadas que enviou? Seriam elas pra encobrir a SUA tarde pecaminosa no motel sei lá o que?!
- Joca!
- Ali estão as suas roupas, Eva, dentro da mala, como você mesma sugeriu. Não passarei a carregar uma galhada pela vizinhança como você sempre falava dos outros!
- Mas Joca! Não! Me deixe...
- Não deixo nada, fora Eva!
E o pacato Joca a empurrou pra rua com suas malas! Fechou a porta e sorriu intimamente. Caminhou calmamente até a geladeira e pegou uma champagne que havia posto para gelar logo que chegou a primeira mensagem de Eva.
Abriu a champagne e brindou sozinho! Deliciou-se com o silencio de sua casa. Deliciou-se com aquele pequeno engano que tinha oportunizado a sua paz... o flagrante invertido que o livrou do blábláblá diário de Eva.