Esperando o melhor momento de seu dia, tomou um banho demorado, cuidando com carinho de cada parte de seu corpo de menina já mulher. Penteou os cabelos, passou um creme cheiroso que havia ganhado de uma vizinha, vestiu a camisolinha leve e transparente, já surrada do tempo.
Tinha 17 anos, cabelos negros e longos, pele aveludada e macia, olhos grandes e brilhantes e toda vivacidade que uma moça na sua idade possuía naturalmente.
Entrou no quarto sem fazer barulho e sem acender a luz, deitou-se com cuidado e fechou os olhos. Rapidamente adormeceu e mais uma vez foi ao encontro de seu príncipe encantado! (Sim, meninas nessa idade ainda acreditam neles, ainda que o dia a dia tente provar-lhes o tempo todo que eles não existem).
No sonho passeavam de mãos dadas, trocavam beijos ardentes e carícias de arrepiar a nuca. Ele a olhava com ternura e desejo ao mesmo tempo, a tratava como a uma princesa. Conversavam coisas bobas e fúteis, conversavam sobre as noticias que ouviam na televisão, riam fartos das bobagens que só os dois compreendiam.
Todas as noites eram assim, passavam momentos únicos juntos, ela sentia na pele seu toque tão real, sentia na boca o gosto doce de seus lábios, guardava na memória seu cheiro bom...
Amanheceu e ela acordou com o mesmo leve sorriso de sempre. Levantou com cuidado, pôs o vestidinho simples e remendado, lavou-se, botou água na chaleira para passar um café e até cantarolou sem sentir, tamanha sua leveza de alma!
Foi quando ele levantou... 53 anos, suado, gordo, barba por fazer... seu hálito que já impregnara o odor torturante da cachaça era insuportável. Sentou à mesa sem dar bom dia, esperou que ela lhe servisse o café e perguntou o que teriam pro almoço. Ela murmurou: o de sempre! Ele reclamou que ela não prestava pra nada, que mal negocio tinha feito com seu pai, que havia pegado no sono esperando ela deitar e ela nunca terminava aquele banho, a luz viria cara no fim do mês, ele não era escravo para trabalhar só pra ela, bla, bla, bla... ela apenas abaixou a cabeça e seguiu seus afazeres quando o viu levantar, pegar a carteira e sair pro trabalho.
Escolheu feijão, lavou roupa, cuidou da casa, não parou o dia todo, serviu a janta e fingiu arrumar alguma coisa até ele cair dormindo, o que não demorou muito uma vez que já tinha passado no bar da esquina e tomados umas biritas.
Foi então que ela...
...Esperando o melhor momento de seu dia, tomou um banho demorado, cuidando com carinho de cada parte de seu corpo de menina já mulher...
Que triste rotina... Viver de sonhos... Mas acho que todos somos assim.
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